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A taxa referencial: histórico do julgamento de sua inconstitucionalidade como índice de correção de débitos judiciais contra a Fazenda Pública

Tudo começou em 29 de junho de 2009, quando foi aprovada a Lei nº 11.960, que determinou a utilização da TR como indexador de correção monetária para todos os credores que litigavam contra a Fazenda Pública. A partir de então, os referidos créditos passaram a ser corrigidos pela TR, que reconhecidamente não acompanha sequer a inflação como índice fiável de correção monetária.

Diante dessa perda, foram ajuizadas diversas ações questionando a constitucionalidade da referida legislação e, em 14 de março de 2013, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs nºs 4.357 e 4.425, reconheceu a inconstitucionalidade da taxa referencial, estabelecendo como índice substituto o IPCA-E. 

Embora reconhecida a inconstitucionalidade da lei, vários órgãos da União buscaram a chamada “modulação de efeitos” da decisão, para que o STF fixasse critérios para a aplicação da tese firmada. Por essa praxe, os ministros devem decidir, em maioria especial, o alcance amplo ou mitigado dos efeitos da decisão.

A confusão com relação a essa matéria começou quando os Estados deixaram de efetuar o pagamento dos precatórios, aguardando o trânsito em julgado das ações diretas de inconstitucionalidade e o Ministro Relator, Luiz Fux, decidiu de forma monocrática que os entes federados retomassem o pagamento dos precatórios utilizando a correção pela TR. 

Apenas em 25 de março de 2015, o pleno do Supremo se reuniu e decidiu por modular os efeitos daquela decisão, de modo que somente a partir daquela data a União, Estados e Municípios deveriam aplicar o IPCA-E, autorizando aplicar a TR de 2009 a 2015, mesmo que reconhecidamente inconstitucional. 

Muitos consideraram a decisão salomônica, mas o problema continuou. Em setembro de 2017, o Supremo precisou se manifestar novamente, agora para resolver o índice a ser aplicado na correção dos débitos da data do ajuizamento da demanda até a expedição do precatório. 

No julgamento do RE nº 870.947, com repercussão geral reconhecida (Tema 810), ou seja, com implicação para todos os processos com essa temática, o Supremo mais uma vez fixou a tese de que a TR é um índice incapaz de acompanhar a evolução inflacionária. 

Os Estados, novamente, pediram a modulação dos efeitos da decisão, para que os créditos fossem corrigidos pela TR até, ao menos, o dia 25 de março de 2013, quando o Pleno havia modulado os efeitos nas ADIs nºs 4.357 e 4.425. 

Com essa manobra, os Estados se beneficiariam com a postergação da declaração final da inconstitucionalidade utilizada por intermédio de lei nitidamente inconstitucional desde a sua criação beneficiaria o Estado que pagou menos que devia, confiando que mesmo que a lei fosse rechaçada do ordenamento jurídico, neste caso, muito anos depois, não seria necessário devolver tudo que arrecadou ou deixou de pagar neste período, o que, obviamente, não se pode admitir.

Em prosseguimento ao julgamento suspenso em dezembro de 2018, nesta semana, em tom acalorado entre as justificativas antagônicas de limitação financeira do Estado e a flagrante violação ao direito de propriedade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento dos embargos de declaração que buscavam a modulação dos efeitos do julgamento. 

Votaram pela rejeição dos embargos os Ministros Alexandre de Moraes, que abriu a divergência, seguido pelos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, e os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que anteciparam seus votos. 

É de se destacar o fundamento de não haver interesse social que justifique a modulação dos efeitos e que o jurisdicionado já é prejudicado pela forma diferenciada de recebimento dos créditos quando litiga contra a Fazenda Pública, uma vez que há previsão constitucional de pagamento via precatório. 

Na fala dos ministros que votaram contrariamente à modulação, cabe adendo o fato reconhecido de que Estados e Municípios postergam, há décadas, o pagamento de precatórios, sendo de fácil conclusão que os credores são prejudicados duas vezes: pela demora de anos para o recebimento do crédito e pela correção praticamente nula, que não representa de forma justa a devida compensação.

De outro lado, votaram pela modulação dos efeitos os Ministros Luiz Fux e Luis Roberto Barroso, este dizendo que “nunca viu uma salada tão revirada”, se apegando à historicidade da legislação e aos julgamentos sobre o interesse individual e coletivo de maior amplitude e importância, concluindo que o STF deveria modular os efeitos com aplicação da correção monetária pela TR até 25 de março de 2015, em conformidade com que havia sido decidido em questão de ordem nas ADIs nºs 43 e 4.425 .

O Ministro Gilmar Mendes pediu vista e fez uma longa consideração quanto à dificuldade dos Estados para pagamento de suas dívidas, justificando que, por ser questão delicada, merecia análise de números para avaliação dos impactos financeiros. 

Diante disso, o julgamento foi novamente suspenso e, suscitando questão de ordem, o advogado do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, requereu fosse afastado o efeito suspensivo dos embargos declaratórios, a fim de que as ações sobrestadas em todo país voltassem ao seu curso, uma vez que já havia maioria de votos favoráveis pelo não acolhimento do pedido de modulação dos efeitos do julgamento. Entretanto, o Presidente, Ministro José Dias Toffoli, negou, e disse que aguardaria a vista regimental do Ministro Gilmar Mendes para concluir o julgamento. 

Na prática, o STF estabeleceu que as ações que tramitaram entre 2009 e 2015 não devem ser corrigidas pela TR, por ser considerado inconstitucional, mas sim pelo IPCA-E. 

Apesar do resultado favorável ao jurisdicionado, as ações permanecerão sobrestadas até que o Ministro Gilmar Mendes apresente seu voto e o Presidente do Supremo Tribunal Federal proclame o resultado. 

Embora o STF pareça ter colocado fim à inconstitucionalidade da TR quanto aos débitos pelas ações movidas contra a Fazenda Pública, ainda voltará à temática para se manifestar quanto à incidência do mesmo índice sobre os saldos do FGTS, na ADI nº 5.090, sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, e também sobre a correção dos débitos trabalhistas, ADI nº 5867 e ADCs nºs 58 e 59, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes. O tema de fundo é o mesmo, e não há consenso: o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legalidade da lei do FGTS ao estipular o referido índice (TR) para correção das contas do fundo e o Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez,  nas ações trabalhistas, o declarou inconstitucional. 

Entendemos, entretanto, que o equilíbrio fiel que se espera da balança da Suprema Corte recaia sob a visão de justiça aos jurisdicionados, sobretudo pelo fato de que o STF defende a inconstitucionalidade do índice desde 1992 e modular os efeitos significaria afrontar o que a Casa sempre decidiu, além de contribuir para o enfraquecimento jurídico-político da instituição que já vem sendo constantemente atacada. 

Artgo publicado em 22 de março.

Camilla Louise G. Cândido

Coordenadora Jurídica
E-mail: camilla.candido@lbs.adv.br

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