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Assédio moral no trabalho: “por fora bela viola por dentro pão bolorento”

Quem não conhece algum familiar ou amigo que já viveu situação de assédio no trabalho, ou teve algum problema com o superior? Muitas vezes o que vemos nas propagandas das empresas não se refere à realidade do que acontece nos bastidores. Prestem atenção ao seguinte número: 44.134. É a quantidade de funcionários que se afastaram do trabalho por acidente no ano de 2017[1]. Sabiam que o assédio moral no trabalho é uma das causas de adoecimento dos empregados e pode acarretar em afastamento pelo INSS? Sim! Todas as pessoas que compõe o levantamento informado tiveram suas vidas pessoais afetadas por um agente em comum: o trabalho.

Quantas horas úteis por semana podemos computar em atividades de lazer, ou de descanso? Este tempo é proporcional ao gasto com a atividade profissional? A maioria dos leitores dirá que não. Sendo assim, é obrigação do empregador garantir um ambiente laboral saudável, que proteja os empregados de riscos inerentes às atividades exercidas. Ocorre, por vezes que a condição saudável do ambiente laboral pode ser afetada por atitudes de superiores hierárquicos e/ou colegas de trabalho, impactando e refletindo na saúde do trabalhador.

No ensinamento da professora Vólia Bonfim Cassar o assédio é “o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa”. Já o assédio moral nas palavras da professora é caracterizado pela prática de “condutas abusivas praticadas pelo empregador direta ou indiretamente, sob o plano vertical ou horizontal, ao empregado, que afetem seu estado psicológico[2].

A busca de resultados positivos, lucro e crescimento é um fator inerente a toda atividade empresarial. Contudo, esta busca pelos resultados deve ser pautada em preceitos éticos, com respeito à dignidade da pessoa humana e sem excessos. A Constituição Federal preconiza em seu Art. 200 que:

Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.[3]

Também a Convenção n. 155 da OIT que dispõe sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 1.254, de 29.9.94 ressalta em seu Art. 10 que “Deverão ser adotadas medidas para orientar os empregadores e os trabalhadores com o objetivo de ajudá-los a cumprirem com suas obrigações legais.[4]

Mas e quando não é de interesse do governo investir em medidas que visem à saúde e segurança do trabalhador? E quando o governo deliberadamente fecha os olhos para as condições de trabalho em nome de uma suposta “desburocratização” das normas já existentes, sob o pretexto de reduzir custos para fomentar o emprego e crescimento?? O interesse de qual parcela da população está em pauta com a revogação dos normativos que cuidam da saúde do trabalhador???

Enquanto estas perguntas ficam sem resposta, as condições de trabalho no Brasil estão piorando a cada dia. O aumento da ocorrência dos casos de assédio moral relatados na Justiça do Trabalho e também nas denúncias junto ao Ministério Público do Trabalho demonstram o lado mais vil da corrida pelo lucro empresarial. A política de utilizar a gestão pelo stress como meio de conseguir resultados, e de reduzir custos dentro das empresas acaba por gerar nos trabalhadores transtornos psíquicos. As consequências advindas desta prática podem ser equiparadas ao acidente de trabalho, conforme disposição contida nos arts. 19 e 20 da Lei nº 8.213/91[5].

Neste prisma, é imprescindível o acompanhamento permanente das condições no ambiente laboral por meio de medidas efetivas de fiscalização, promover o treinamento dos funcionários e gestores, além da manutenção dos dados estatísticos quanto aos casos de adoecimento no trabalho decorrentes de assédio moral.

Os dados abaixo, colhidos de bases do CNJ demonstram com muita clareza que não têm sido adotadas medidas efetivas para coibir a incidência de casos de assédio moral nas organizações. Os indicadores[6] apontam que entre 2015 e 2017 os casos de assédio relatados nos recursos ao TST subiram 30%. E também entre os anos de 2014 e 2019 foram registradas cerca de 29 mil denúncias de assédio moral organizacional junto ao Ministério Público do Trabalho[7].

A conduta do gestor que pratica assédio moral pode se apresentar de várias formas ultrapassando as cobranças pelas metas e resultados. O assédio moral também pode ser direcionado a ridicularizar a orientação sexual, religiosa, e até mesmo como meio de manipulação das convicções sociais e políticas do trabalhador. Vejam o seguinte caso:

Quem se recorda da campanha eleitoral para presidência do Brasil em 2018, com certeza irá se lembrar do vídeo que circulou pelas redes sociais[8] em que o dono das Lojas Havan coage moralmente os funcionários indecisos a votarem no candidato a presidência Jair Bolsonaro, pois em suas palavras se ele não vencesse as eleições “teria que fechar lojas, e demitir empregados”. Diante do conteúdo gravíssimo das declarações, o MPT ingressou com ação civil pública pleiteando danos morais coletivos e que o empresário se abstivesse de assediar os empregados com posicionamentos políticos distintos dos seus.

E os exemplos desta prática danosa aos trabalhadores não são isolados. No interior de São Paulo constatou-se nos autos de ação civil pública que os empregados da rede de supermercados Carrefour que não atingiam a meta de vendas de combustíveis aditivados eram obrigados pelos gerentes a executar atividades que não faziam parte de suas atribuições, tais como limpar caixas coletoras de resíduos, fazer serviços de jardinagem, recolher lixo, além de serem expostos perante os demais trabalhadores que atingiam as metas impostas. A rede foi multada em 1 milhão de reais, por danos morais coletivos.[9]

O assédio moral também está presente nas campanhas “motivadoras” promovidas pelos gestores de instituições financeiras, que atingem o efeito contrário. Há aproximadamente três semanas, circulou pelo Whatsapp um vídeo em que funcionários do Banco Bradesco S/A vestidos de vermelho, usando máscaras de Salvador Dalí em referência ao seriado da Netflix “La Casa de Papel”, cantavam uma paródia da musica Bella Ciao. Campanhas como esta demonstram que não há limites éticos para tentar atrair a atenção dos clientes e atingir as metas impostas. Pouco importa o bem estar dos funcionários, tampouco a exposição ao ridículo. 

Recentemente a câmara dos deputados aprovou projeto de lei que tipifica o assédio moral ocorrido no ambiente de trabalho como crime, podendo gerar ao ofensor detenção de um a dois anos e multa. O Projeto de Lei 4.742/01 seguirá agora para votação no Senado.[10] Em tempos de retirada de direitos sociais e de normalização de práticas que seriam sequer impensáveis dentro de uma democracia, é preciso cada vez mais buscar a efetivação dos direitos fundamentais dos empregados a trabalhar em um ambiente sadio.

Para gerir os conflitos trabalhistas e dizer o Direito, o Judiciário deve atuar de forma mais dura e severa com as corporações. Se as condenações em danos morais decorrentes do assédio refletissem o real alcance dos danos ocasionados à psique dos obreiros, e a própria sociedade como um todo, empresas passariam a investir em gestão de pessoas, e reavaliariam as práticas danosas.

Enquanto isto não acontece, o ciclo vicioso do assédio moral se perpetua. Olhando os slogans de algumas empresas nas redes sociais e atuando cotidianamente com relatos de assédio no ambiente laboral, só consigo imaginar o dito popular que falávamos na minha terra “por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento”.

[1] Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/estatisticas-cnae-2-0/tabelas-cnae-2-0/ acesso em: 06 set. 2019.

[2] CASSAR, Volia Bonfim. Direito do Trabalho. 7 ed. Niterói: Impetus, 2012.

[3] BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 ago. 2019.

[4] BRASÍLIA. Convenção 155 OIT. Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236163/lang–pt/index.htm Acesso em: 18 ago. 2019.

[5] BRASIL. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm acesso em 19 ago. 2019.

[6] http://www.vermelho.org.br/noticia/317204-1

[7] https://www.destakjornal.com.br/brasil/detalhe/29-mil-denuncias-de-assedio-moral-sao-registradas-no-mpt

[8] PRÓ-BOLSONARO, dono da Havan ameaça demitir 15.000 se “esquerda” vencer – 1.out.2018. [s.l]: Poder 360, 2018. Son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Bed-vF5ye6w>. Acesso em: 20 ago. 2019.

[9] https://exame.abril.com.br/negocios/carrefour-condenado-em-r-1-milhao-por-assedio-moral/

[10] https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/573376-CAMARA-APROVA-PUNICAO-PARA-ASSEDIO-MORAL-NO-TRABALHO.html

Fernanda Sales de Carvalho

Advogada da LBS Advogados
E-mail: fernanda.carvalho@lbs.adv.br

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