• Fale com a gente

Caiu a máscara: a MP que mata de fome quem não morrer pelo vírus

Após anunciar medidas na área trabalhista, na semana passada, somente na noite do dia 22 de março, domingo, o governo editou o primeiro ato específico. Trata-se da MP nº 927, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), e dá outras providências. 

A medida frustra expectativas, uma vez mais. Além de totalmente insuficiente para o tamanho e a complexidade do que estamos todos atravessando, dá alternativas apenas aos empregadores. E joga o peso do resultado das escolhas nos ombros dos trabalhadores e trabalhadoras. E não protege os precarizados, como aqueles que trabalham em aplicativos, os autônomos e os trabalhadores informais. 

Um exemplo deve ser observado. Se a opção da empresa for pelo banco de horas, o trabalhador ficará em casa, acumulando horas negativas para uma atividade econômica que não se sabe sequer se será retomada. Isso, definitivamente, não é proteger nenhum dos lados dessa moeda.  

Em todo o mundo, governos responsáveis preparam e publicam medidas que asseguram renda aos trabalhadores e, por outro lado, garantem que a atividade econômica possa se programar para uma retomada futura.  

Alguns pontos de destaque:  

1. Estende o estado de calamidade pública e procura vincular com o conceito de força maior para fins trabalhistas, o que poderia levar a aplicação do art. 503 da CLT, que autoriza redução de ate 25% dos salários mediante acordo individual, o que evidencia a inconstitucionalidade, pois qualquer redução salarial depende de acordo coletivo ou convenção coletiva 

2. Em relação à manutenção do vínculo empregatício, não impede que ocorram dispensas individuais ou coletivas.  

3. Autoriza a celebração de acordo individual escrito entre trabalhador e empregador para regular a matéria, com eficácia sobre qualquer outro direito, inclusive aqueles oriundos de acordo coletivo, ressalvados os previstos na Constituição.  

4. Ao remeter para a prevalência dos acordos individuais, desprestigia uma vez mais as negociações coletivas que poderiam dar mais segurança e proteção na aplicação das medidas.[1]

5. Autoriza, a critério unilateral do empregador, a prorrogação de vigência dos acordos coletivos e das convenções coletivas, que vencerem no prazo de 180 dias a contar da MP, por 90 dias. A prorrogação deveria ser automática e não a critério do empregador. 

6. Trabalha somente com as hipóteses já estabelecidas em lei como teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento de feriados e banco de horas. Nesse caso, também estabelecidas em condições contratuais individuais. 

7. Flexibiliza a fiscalização sobre normas de medicina e segurança, deixando os trabalhadores, mais vulneráveis pela ausência de treinamentos periódicos e eventuais previstos nas Normas Regulamentadoras – NRs.  

8. Suspende o recolhimento do FGTS por três meses e difere o seu recolhimento. 

 

9. As comissões internas de prevenção de acidentes poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos. Deveria ter tratado de outros processos eleitorais, em especial das entidades sindicais.  

10. Suspendeu a contagem do prazo prescricional dos débitos relativos a contribuições do FGTS pelo prazo de 120 dias, e deveria ter estabelecido a mesma regra para suspensão de prazo prescricional dos créditos trabalhistas.  

11. Os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Inverte o ônus da comprovação de nexo causal ao estabelecer como regra que a contaminação não será considerada doença ocupacional. 

12. Convalida as medidas trabalhistas adotadas por empregadores que não contrariem o disposto na MP, tomadas no período dos 30 dias anteriores à data de entrada em vigor desta Medida Provisória. 

13. Não concede qualquer tipo de vantagem pecuniária em caso de dispensa (que, não estando vedada, já está a ocorrer). 

14. Não assegura qualquer tipo de garantia de emprego no período, ao contrário de outros países, como a Itália, que assegurou por, pelo menos, 2 meses. 

15. Não trata dos trabalhadores informais, autônomos ou de aplicativos. 

16. Não assegura nenhuma garantia, seja de proteção (a mais importante), seja pecuniária, aos trabalhadores do serviço de saúde, utilizando apenas regra que flexibiliza as jornadas e a forma de compensação ou pagamento.

O texto original da MP, publicado em 23/03, previa, no art. 18, que o empregador também poderia suspender o contrato de trabalho, sem pagamento de salários, por até 4 meses, para o empregado participar de curso de qualificação não presencial, por acordo individual. A medida flexibilizava a previsão do art. 476 da CLT possibilitando o empregador conceder ajuda compensatória com valor definido livremente entre as partes. O art. foi revogado na noite do dia 23, pela MP nº 928/2020.

Em resumo: a MP não está à altura da gravidade do momento e fragiliza ainda mais as garantias de trabalhadores e trabalhadoras. 

A regras, por serem dispostas em MP, entram em vigor de imediato, aguardando aprovação pelo Congresso Nacional, onde poderá sofrer emendas e modificações. As medidas aqui autorizadas durarão o tempo que durar o estado de calamidade, constituindo hipótese de força maior (que autoriza medidas de exceção no tratamento das matérias das relações de trabalho).  

O prazo de emendas se encerra na próxima sexta-feira, 27 de março, e é hora dos atores sociais, junto ao Congresso, estabelecerem regras de proteção social e de apoio para a atividade econômica mais equilibradas do que as encaminhadas até o momento pelo governo.  

REFERÊNCIA

[1] Sobre a importância de adotar o diálogo social e a negociação como eixo estruturante das medidas de enfrentamento dos efeitos da pandemia do Covid-19 nas relações do trabalho, recomendamos a leitura da notícia LBS Rumo errado aponta para desastre! O papel do Estado, das entidades sindicais e empresas. Hora de mudar o rumo e da Nota Técnica Conjunta nº 06/2020 – PGT/CONALIS. 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.