• Fale com a gente

Cooperativismo e economia solidária

Em sua essência, o cooperativismo é importante modelo de associação para fins de inclusão econômico-social, pois permite a congregação de esforços entre diversas pessoas com intuito em comum, visando ao desenvolvimento igualitário e equilibrado. Segundo a Organização das Nações Unidas, o cooperativismo permite às pessoas criar suas próprias oportunidades econômicas por meio da força coletiva [1]. Atualmente, segundo dados da ONU, as 300 maiores cooperativas do mundo geram um volume de negócios anual de 2,5 trilhões de dólares, mais do que o PIB da França.

A organização cooperativa da forma como conhecemos teve origem na Revolução Industrial sucedida na Inglaterra do século XVIII, época marcada pela superexploração da mão de obra operária. Foi nesse cenário de baixos salários e jornada de trabalho extenuante que surgiram as primeiras organizações cooperativas, em que valores e princípios próprios seriam idealizados com o objetivo de construir uma base econômico-social mais solidária, servindo como contraponto ao grande capital.

No Brasil, o cooperativismo se consolidou no início do século XIX, a partir do intenso fluxo migratório originado pelas crises que assolavam o cenário mundial e que trouxeram ao país uma massa de imigrantes, sobretudo da Alemanha, Itália e Japão. Diante das dificuldades aqui encontradas, alguns desses estrangeiros enxergaram no cooperativismo a forma ideal de geração de renda e trabalho, principalmente nas atividades relacionadas ao meio rural.

Atualmente, segundo dados do Anuário do Cooperativismo Brasileiro, há quase sete mil cooperativas espalhadas pelo País, dentre os mais diversos setores da economia, com destaque para o ramo agropecuário e de transporte, crédito e saúde. Os números apontam que nos últimos oito anos o número de cooperados cresceu 62%, impulsionando ainda a quantidade de empregos gerados. Os dados de 2018 apontam o expressivo número de 14,6 milhões de cooperados e 425 mil empregados contratados por sociedades cooperativas. [2].

Como marco regulatório, temos a Lei nº 5.764, de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, bem como institui o regime jurídico das sociedades cooperativas. Posteriormente, com o advento da Constituição federal de 1988, as sociedades cooperativas ganharam maior autonomia, já que o texto constitucional veda expressamente a interferência estatal no funcionamento das associações e cooperativas, sendo ainda autorizada a sua criação sem necessidade de anuência de agente público.

Mais recentemente, a Lei foi alterada com o fito de legitimar a atuação das cooperativas como substitutas processuais em defesa dos direitos coletivos de seus cooperados. Desse modo, as cooperativas poderão representar seus filiados na esfera judicial, de forma similar a associações e entidades sindicais [3].

Mesmo com vitórias importantes, sob o ponto de vista legal, o regime jurídico das cooperativas permanece arcaico, sem políticas públicas que alcancem ideais projetados para o futuro, em curto, médio e longo prazos. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional alguns projetos de lei que buscam suprimir essa lacuna, a fim de adequar as diretrizes legais do cooperativismo às novas formas de gestão e modalidades de trabalho coletivo [4].

Merece destaque o Projeto de Lei nº 4.685, mais conhecido como PL da Economia Solidária [5], que tem como principal objetivo contribuir para que a área passe de uma política de governo para uma de Estado, pois gera trabalho e renda para milhares de famílias no País [6]. Ele, infelizmente, segue parado no Legislativo, aguardando apreciação após aprovação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados no final de 2017.

Com relação às novas formas de trabalho cooperado, destaca-se positivamente a economia solidária, importante movimento de gestão coletiva similar ao cooperativismo clássico, mas que se constitui como mais adequado aos interesses dos trabalhadores, visto que nela os indivíduos empregam os meios de produção, comercialização e crédito em função de seus interesses.

Segundo o Economista e Sociólogo Paul Singer [7], há atualmente no Brasil mais de 30 mil empreendimentos solidários, em vários setores da economia, com destaque para a agricultura familiar, gerando renda para mais de 2 milhões de pessoas e movimentando anualmente cerca de R$ 12 bilhões [8]. Para ele, na prática, a economia solidária é a aplicação concreta do cooperativismo, sendo uma alternativa prática no combate ao desemprego e à miséria.

Exemplo exitoso de economia solidária e cooperativismo é visto nos assentamentos do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. No Munícipio de Cascavel, a Cooperativa de Produção e Comercialização da Reforma Agrária e Agricultura Familiar (COPCRAF), entregou no intervalo de 1 ano, mais de 90 toneladas de alimentos em Colégios Estaduais da cidade, gerando renda para as famílias assentadas e alimentação saudável aos estudantes da rede pública [9].

Outro importante exemplo está na implementação da economia solidária como estratégia de inclusão econômico-social de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, sistema amplamente defendido pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR [10], ou ainda a criação do Centro Público de Direitos Humanos e Economia Solidária em São Paulo, durante a Gestão de Fernando Haddad [11].

Mesmo com os promissores casos citados, de fomento econômico por meio da economia solidária, o que vemos atualmente é um claro retrocesso a essa importante política de inclusão, como o fim da Secretaria Nacional de Economia Solidaria – SENAES, criada em 2003, rebaixada a subsecretaria em 2016 e recentemente extinta pelo Governo Bolsonaro [12]. Outro problema tem a ver com os projetos de lei já citados, parados há anos em nosso Congresso Nacional.

Apesar dos vários pontos positivos já destacados, também não podemos fechar os olhos para os casos de desvirtuamento do sistema cooperativo. Infelizmente, é comum a criação de cooperativas fictícias, com propósito de burlar a lei, como nos casos em que os cooperados atuam como empregados, sem divisão de lucros ou despesas, ou ainda nas hipóteses em que a cooperativa funciona como se fosse uma empresa terceirizada, impondo ao cooperado uma função de subordinado.

Não são poucos os casos que a Justiça do Trabalho examina e reconhece o desvirtuamento do instituto com claro e único intuito de não pagar verbas trabalhistas aos empregados da empresa travestida de cooperativa.

O cooperativismo, portanto, é de extrema importância para nossa sociedade. Não há dúvidas de que a base para uma sociedade mais igualitária é a solidariedade entre os cidadãos, trazendo mais justiça, dignidade e equilíbrio entre as pessoas. Exemplos positivos não faltam e precisam ser incentivados, pois colocam em primeiro plano a função social do trabalho em contraponto à busca desenfreada por lucro. Os exemplos negativos também precisam ser divulgados e combatidos, já que desvirtuam o papel fundamental do cooperativismo, passando inclusive pela necessidade de pressionar o Congresso Nacional para examinar e aprovar projetos de lei que têm como finalidade impulsionar e fomentar o cooperativismo no Brasil.

REFERÊNCIAS

[1] Disponível em: http://nacoesunidas.org/onu-promove-inclusao-social-por-meio-do-cooperativismo/ Acesso em: 11.08.2019

[2] Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019 Acesso em:11.08.2019

[3] Disponível em: http://www.lbs.adv.br/noticia/substituicao-processual-agora-tambem-pode-ser-realizada-por-cooperativas Acesso: em 11.08.2019

[4] Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/economia/cooperativas-fracas-geram-economias-fracas/ Acesso em: 11.08.2019

[5] Disponível em: http://www.unisolbrasil.org.br/tag/pl-46852012/ Acesso em: 11.08.2019

[6] Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/marco-para-a-economia-solidaria/ Acesso em: 11.08.2019

[7] Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/01/12/economia-solidaria-se-aproxima-das-origens-do-socialismo-diz-paul-singer.html Acesso em: 11.08.2019

[8] Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2019/07/economia-solidaria-movimenta-cerca-de-r-12-bilhoes-ao-ano/ Acesso em: 11.08.2019

[9] Disponível em: http://www.mst.org.br/2019/04/08/cooperativa-do-mst-entregam-mais-de-90-toneladas-de-alimentos-as-escolas.html Acesso em: 11.08.2019

[10] Disponível em: http://mncr.org.br/noticias/noticias-regionais/mncr-reforca-lacos-com-a-economia-solidaria-em-conferencia-tematica Acesso em: 11.08.2019

[11] Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/noticias/?p=206428 Acesso em: 11.08.2019

[12] Disponível em: http://conexaoplaneta.com.br/blog/o-lugar-da-economia-solidaria-no-atual-governo/ Acesso em: 11.08.2019

Eduardo Henrique M. Soares

Sócio da LBS Advogados
E-mail: eduardo.henrique@lbs.adv.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.