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Medida Provisória nº 927/20 coloca em risco segurança e saúde do trabalhador

Na semana passada, o governo publicou a Medida Provisória nº 927/2020 como remédio emergencial para as empresas enfrentarem a pandemia, repassando o amargo da solução para os trabalhadores. Além da possibilidade de diminuição salarial sem nenhuma garantia de manutenção contratual, banco de horas negativo (trabalhador devendo para o empregador), antecipação irrestrita de férias e feriados, também fragilizou normas de segurança e saúde no trabalho. 

Ao tratar, no capítulo VII, DA SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, a Medida Provisória não faz qualquer distinção entre trabalhadores em isolamento domiciliar e aqueles que continuam executando suas funções na sede da empresa ou local externo, em especial em locais com grau de risco 3 e 4 para agentes físicos, químicos e biológicos. 

Ao suspender a obrigatoriedade de todos os exames ocupacionais com exceção do demissional,  o art. 15 da MP elimina exigências primordiais relacionadas na Norma de Segurança e Saúde do Trabalhador NR nº 7, que, em seu anexo II, relaciona diferentes Agentes Ambientais e determina a periodicidade de exames complementares semestrais para monitoramento de exposição ocupacional, como, por exemplo, Benzeno e Radiação Ionizante. 

Trata-se de uma medida completamente sem lógica, em um momento que os trabalhadores que não estão em isolamento estão executando atividades essenciais. Suspender os exames ocupacionais para aqueles que laboram em ambiente insalubres é colocar diretamente em risco a vida desses trabalhadores. 

Além disso, a MP deixa a cargo do médico coordenador do PCMSO a responsabilidade de eventual risco de vida do trabalhador pela não realização do exame periódico e ou complementar em atividade específica, não havendo garantias de realização do exame uma vez indicada a necessidade, nem mesmo penalização caso a empresa não o faça.

A norma também elastece o prazo para dispensa do exame demissional caso tenha sido realizado menos de 180 dias, sendo que a NR nº 7 em vigor estabelece prazos menores e diferenciados pelo grau de risco que o trabalhador está exposto no ambiente laboral (135 dias grau de risco 1 e 2 e 90 dias grau de risco 3 e 4). O maior tempo de validade para o periódico como exame de aptidão para demissionais tem o nítido caráter de dificultar o reconhecimento de doenças laborativas, entre elas o próprio Covid-19. 

Quanto a treinamentos, a MP suspende a obrigatoriedade dos periódicos e eventuais, impondo vulnerabilidade para a coletividade de trabalhadores que permanecem exercendo atividades fora do isolamento domiciliar, em um momento de pandemia, no qual a saúde de todos e todas deveria ser garantida.

Além disso, introduz a possibilidade da realização do treinamento periódico e eventual na modalidade 100% EAD, não dispensando a realização presencial dos treinamentos obrigatórios no período de calamidade pública.

É importante frisar que cada alteração no ambiente de trabalho deve ser precedido de treinamento específico. Muitos dos ambientes laborativos estão em alteração por conta do Covid-19 e a suspensão que trata o art. 16 da MP viola garantia constitucional de “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXIII, CF. 

Por fim, a Medida Provisória limita a atuação dos auditores fiscais no art. 31 da norma, restringindo a competência de fiscalização do trabalho e autuação inerentes a auditoria fiscal do trabalho, passando a ter caráter apenas orientativo no período dos próximos 6 meses (180 dias). 

Excepcionalmente, podendo ocorrer autuação nas empresas quando:  

I – verificada falta de registo em CTPS, desde que ocorra denúncia dessa situação;  

II – situações de grave risco iminente, também dependerão de denúncia dos trabalhadores, uma vez que a auditoria não terá permissão de fiscalização nesse período, podendo autuar apenas as irregularidades que colocaram o trabalhador em risco iminente;  

III – ocorrência de acidente de trabalho fatal, podendo, nesse caso, fazer a análise das causas do acidente e autuar apenas as irregularidades que deram causa ao acidente fatal; 

IV – trabalho em condições análogas às de escravo e trabalho infantil, uma vez que o auditor fiscal está limitado em seu poder de fiscalização essas situações dependeram também de denúncia dos trabalhadores.  

A limitação imposta à auditoria fiscal é nitidamente inconstitucional, colocando em risco a vida dos trabalhadores que permanecem laborando nas empresas. Reforçando a importância da atuação do fiscal do trabalho, no dia 26 de março, o governo publicou Decreto nº 10.292/20, que coloca como atividade essencial a fiscalização do trabalho (inciso XXXVI). 

Resta claro que a Medida Provisória nº 927/2020 impõe efetiva insegurança ao alterar normas de segurança e saúde construídas ao longo do tempo para prevenção de acidente e proteção à saúde dos trabalhadores. Nesse momento, é imperativo que a sociedade, por meio da lei, preserve com maior preciosismo todos aqueles que nesse momento laboram em atividades essenciais, na linha de front do combate da pandemia.   

Luciana Lucena B. Barretto

Sócia da LBS Advogados
E-mail: luciana.barretto@lbs.adv.br

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