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Precarização do trabalho não é meio para crescimento econômico

Contratação (oferta) de trabalho com precarização de direitos como meio de crescimento econômico é a proposta do novo governo, conforme fala do Ministro Paulo Guedes em jantar promovido pelo canal de comunicação “Portal 360”, do jornalista Fernando Rodrigues, no último o dia 05/02/2019. 

Guedes afirmou que o jovem tem o direito de escolher em qual porta quer entrar e criticou a legislação trabalhista dos governos anteriores: “Porta da esquerda: carta del lavoro, justiça trabalhista, sindicato, você tem proteção, você tem tudo, as empresas têm que pagar, mas quase não tem emprego. É o sistema atual. Porta da direita: novo regime trabalhista e previdenciário, não tem nada disso, se seu patrão fizer alguma besteira como você e te tratar mal, vai pra justiça comum, é privado, privado, privado.”

É interessante perceber como o Ministro da Economia está distante da realidade vivenciada pelo jovem brasileiro (pessoa de 15 a 29 anos, conforme IBGE – PNAD Contínua), sendo que é esse trabalhador de início de carreira, vulnerável por sua pouca experiência, que tende a aceitar a maior precariedade na relação de trabalho com a perspectiva de entrada no mercado. 

Além disso, conforme dados da PNAD Contínua divulgada pelo IBGE em dezembro de 2018 , o Brasil atingiu índice histórico no número de pessoas contratadas sem carteira de trabalho, totalizando 11,7 milhões de pessoas nessa condição:

“A estimativa da PNAD Contínua, divulgada pelo IBGE, é que houve aumento de 1,1 milhão de pessoas ocupadas frente ao trimestre fechado em agosto. No entanto, a maior parte dessas ocupações foram geradas no mercado de trabalho informal, onde houve aumento de 528 mil pessoas trabalhando por conta própria e cerca de 498 mil empregados do setor privado sem carteira de trabalho. Com isso, a informalidade atinge nível recorde na série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. O aumento de empregados do setor privado sem carteira chegou a 4,5% nesse trimestre, totalizando 11,7 milhões de pessoas. Já o crescimento dos trabalhadores por conta própria foi de 2,3%, atingindo 23,8 milhões de pessoas.” 

A possibilidade de existir legalmente um contrato de trabalho sem garantias sociais impõe ao empregador a impossibilidade de conceder escolhas ao contratado. Isto é, se os meus concorrentes estão contratando seus empregados por um custo menor, pois “negociam” não pagar 13º salário, horas extras, INSS, FGTS, adicionais de periculosidade ou insalubridade, qual a chance de abrir uma vaga para contratação COM DIREITOS ?

Afinal, pensando como o mercado, se a empresa possui um empregado com direitos trabalhistas e os concorrentes estão contratando pessoas a um custo menor, a lógica fará com que esse empregador demita seus antigos funcionários para contratar esses novos trabalhadores, que, sem poder de escolha, aceitarão como meio de sobrevivência a política reducionista geradora do dumping social, diminuindo assim o valor do salário hora trabalhado, na lógica da autonegação da dignidade, conforme bem exemplifica Elísio Estanque e Hermes Augusto Costa :

“Existem empresas, nos EUA e na Europa, que estabelecem um salário máximo, pedindo aos candidatos a um posto de trabalho que indiquem quanto “pretendem” ganhar, até esse nível máximo (por exemplo, 8 euros por hora), o que tem como consequência o constante baixar do nível do salário indicado pelos pretendentes aos emprego (os que indicam 4 euros ou menos serão naturalmente os preferidos. É a lógica da auto-negação da dignidade produzida pelo espectro do desemprego e da miséria.”

Não é preciso um raciocínio muito elaborado para enxergar que a redução de direitos trabalhistas e sociais não é fórmula de impulsionamento da economia, ainda mais em um país no qual a informalidade JÁ é a realidade da relação de trabalho, e uma vez que quanto menor o valor salarial pago ao trabalhador, menor é a circulação de dinheiro refletindo consumo interno. Tal cenário nos faz refletir que a política pretendida pelo atual governo é subserviente apenas ao mercado internacional, financeiras e empresas transnacionais.

Países europeus como a Espanha e Itália utilizaram desse mesmo artifício reformista de direitos tendo como resultado pequeno aumento no número de empregos sob o custo de grande precariedade nas relações de trabalho, conforme estudo do CESIT sob coordenação dos Professores Carlos Salas e Tomás Rigoletto Pernías: Projeto de Pesquisa Subsídios para a discussão sobre a reforma trabalhista no Brasil – Experiências Internacionais :

“Na Espanha, país em que as reformas do mercado de trabalho mais avançaram, não houve compensação em termos de redução do desemprego. As reformas falharam em diminuir o emprego temporário e fracassaram em impactar positivamente no emprego. Ainda que a recuperação econômica tenha aumentado o nível de emprego, a retomada se baseou, em larga medida, nos empregos precários. A fragmentação do poder de barganha dos trabalhadores colaborou para a deflação salarial, enfraquecendo a demanda doméstica e minando um processo mais acelerado de recuperação econômica.”    

Esse mesmo estudo traz a análise dos efeitos da reforma Italiana: 

“A reforma (Job Act) falhou em desencorajar os empregadores a oferecer trabalhos temporários e atípicos. Em 2015, por exemplo, a parcela de contratos temporários atingiu o maior patamar já registrado: 14% de todos os empregados. (…) É possível concluir que, após as reformas empreendidas no mercado de trabalho italiano, o crescimento do emprego verificado em 2015 se concentrou em setores de baixa qualificação e pouca tecnologia. Ademais, esse crescimento não pode ser atribuído às reformas, sendo resultado, principalmente, de um efeito de tendências estruturais anteriores à criação da Job Act. O modesto crescimento do emprego verificado em 2015, por seu turno – essencialmente devido aos incentivos fiscais concedidos para os empregadores que adotassem a nova forma contratual “increasing protection contract” – aponta para um enfraquecimento da estrutura de empregos. Em primeiro lugar, a relação entre os novos empregos e os incentivos fiscais joga dúvidas sobre o potencial de consolidação dessas oportunidades de trabalho; em segundo, o crescimento do emprego, concentrado em indivíduos mais idosos e menos qualificados – em geral menos produtivos do que a mão de obra mais jovem e qualificada – sugere uma regressão da qualidade dos empregos disponíveis. Por fim, é preciso ressaltar que a generalização do trabalho temporário e inseguro, particularmente a remuneração por vouchers, se deu em todas as regiões do país.”  (Fana, Guarascio, Cirillo, 2017)

Por fim, não se pode perder de vista que a vulnerabilidade do trabalhador diante do poder do empregador não será dirimida alterando nomenclaturas, adjetivos ou local de solução de conflitos. A disputa entre capital e trabalho existe e existirá independentemente do quanto se queira camuflar esse conflito, sendo que o pretendido desmonte dos direitos trabalhistas e sociais, consequentemente da Justiça do Trabalho, com detrimento das condições mínimas de proteção e fiscalização do contrato de trabalho, não é de interesse para nossa sociedade.

A política de austeridade e precarização dos direitos sociais e trabalhista como modelo de alavancagem econômica nacional não é novidade, sendo que o exemplo, em especial europeu, demonstra o alto preço social a se pagar em proveito de instituições transacionais que aproveitarão de uma mão de obra barata com chances reduzidas de questionamento e fiscalizações combativas, baranteando com o suor e sangue do trabalhador a produção de bens e aumentando a concorrência para o mercado interno.

Infelizmente, a perspectiva de trabalho com base nesse sistema, e olhando para as experiências estrangeiras, não é nada animadora.   

Luciana Lucena Baptista Barretto é sócia de LBS Advogados e membro do Instituto Lavoro.

Referências

Luciana Baptista Barretto

Sócia da LBS Advogados
E-mail: luciana.barretto@lbs.adv.br

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