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“Reforma trabalhista no meio rural – Os direitos do trabalhador do campo também serão ceifados”

A Lei nº 5.889, de 1973, foi criada para regular o trabalho rural, estabelecendo, em seu artigo 2º, que o trabalhador rural é “toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário”. 

Ela apresenta algumas peculiaridades próprias desse tipo de relação. Dentre as características específicas do empregado rural, destacam-se a caracterização própria do horário noturno, que ocorre entre 21 horas de um dia e 05 horas do dia seguinte na lavoura e entre 20 horas de um dia e 4 horas do dia subsequente na pecuária, ensejando o pagamento de adicional noturno de 25%; possibilidade de desconto de até 20% pelo uso da moradia fornecida pelo empregador e de 25% pelo fornecimento de alimentação, além do descanso na jornada de trabalho, acima de 6 horas de trabalho contínuo, não se computando o intervalo na duração da jornada do empregado.

No Brasil, estima-se que há aproximadamente quatro milhões  de empregados rurais assalariados, sendo que cerca de 60% deles atua na informalidade, ocasionando a perda de direitos e garantias trabalhistas, o que é agravado pelo latente risco de exposição do trabalhador à situação análoga ao trabalho escravo, ante os altos índices de trabalho degradante verificados no campo.

Se o trabalhador rural já sofre com parca quantidade de direitos, a ameaça de aniquilamento é eminente, arquitetada no Congresso Nacional, por meio do Projeto de Lei nº 6.442/2016 , intitulado como “reforma trabalhista rural”, de autoria do Deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), líder da bancada ruralista, cujo intento visa revogar a já mencionada Lei nº 5.889/73, sob o fraco argumento de “modernização da norma”, no intuito de prestigiar o agronegócio com aumento de lucros e redução de custos, pouco importando a saúde e a dignidade do trabalhador.

Dentre os mais de 160 controvertidos artigos dispostos no projeto de lei, destacam-se a possibilidade de venda integral de férias do empregado rural e de jornada de 18 dias consecutivos sem folga quando desenvolver sua atividade laboral em local distinto de sua residência. Outro ponto extremamente grave é a possibilidade de o empregador remunerar seus empregados em qualquer espécie, ou seja, valer-se da força de trabalho alheia em troca de moradia e alimentação, o que caracterizaria uma espécie de “feudalismo moderno”. 

Ademais, além do grave ataque aos direitos subjetivos dos empregados, o projeto também afronta a coletividade, pois pretende excluir os Ministérios da Saúde e do Trabalho das regras relacionadas ao uso de agrotóxicos, além de possibilitar uma segunda chance ao empregador que é flagrado em situação irregular, durante fiscalização dos órgãos competentes. 

Por fim, o projeto fomenta a possibilidade de acordos coletivos e individuais entre empregado/empregador (negociado x legislado), o que, sem dúvidas, gerará grave retrocesso, tendo em vista que o empregado rural, normalmente, detém menor suporte jurídico e conhecimento de seus direitos. 

Do quadro delineado, o que se extrai, mais uma vez, é o claro interesse do lucro a qualquer custo, desconsiderando por completo a fragilização daqueles que detêm a força de trabalho, pilar mais fraco da relação empregatícia. 

O projeto de lei, apoiado por diversos segmentos do Congresso Nacional, ganha contornos de retrocesso, na medida em que suprime os já escassos direitos dos empregados que laboram no meio rural, afrontando gravemente os princípios constitucionais que regem a relação de trabalho.

 

Filipe F. da Silva Ferracin

Advogado da LBS Advogados
E-mail: filipe.ferracin@lbs.adv.br

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