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Teletrabalho na Reforma Trabalhista

Com a lei 13467/2017, intitulada como reforma trabalhista, foi introduzido na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,  no capítulo II – A, o teletrabalho, também conhecido como home office. 

O teletrabalho pode ser conceituado como aquele em que as atividades laborais são realizadas de forma remota, ou seja, à distância do local de trabalho, por exemplo, na residência do empregado. O conceito está preceituado no art. 75-B, nos seguintes termos:

“Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua ntureza, não se constituam como trabalho externo”.

Portanto, não se deve confundir o trabalho externo com o teletrabalho. Aquele também é realizado fora das dependências do empregador, visto que sua própria natureza assim o determina, tal como promotores de vendas e instaladores de antena de televisão. Enquanto que este, embora possa ser realizado nas dependências da empresa, por opção do empregador,  passe-se a ser prestado fora de suas dependências.

O instituto do teletrabalho é sem dúvida uma realidade, visto que as grandes mudanças tecnológicas disponíveis na sociedade tornam possível a realização das atividades fora dos limites geográficos de uma empresa. Dessa forma, atualmente é completamente normal, a título de exemplo, a realização de reuniões por videoconferências, sendo possível a integraçao entre os funcionários da empresa em qualquer lugar do mundo ,evitando-se gastos com deslocamente de funcionários.

Entretanto, apesar da inovação legislacional, um ponto merece destaque: ficou expressamente consignado no art. 62, III, da CLT, que os empregados em regime de teletrabalho não são abrangidos quanto à limitação da jornada de trabalho. Isto implica dizer que o funcionário que se sujeita ao teletrabalho não estaria sujeito ao controle de ponto e, assim, caso trabalhe em um dia mais do que doze horas, por exemplo, não receberá adicional de horas extras.

Importante destacar um confronto entre o art. 62, III, da CLT e o art. 7º, incisos XIII e XVI da Consitutição Federal. É que a Constituição Federal limita a jornada semanal em oito horas diárias e 44 semanais. Assim, as horas trabalhadas além desses limites deverão ser remuneradas com adicional de, no mínimo, 50%, vejamos: 

Art. 7ª, XIII, da CF – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal

Pensando no tema com maior profundidade, ao excetuar os empregados sob o regime do teletrabalho quanto à limitação de sua jornada de trabalho, estamos diante de uma inconstitucionalidade material, que nada mais é que uma norma jurídica que contraria o próprio conteúdo da Constituição Federal. 

A norma celetista nos termos em que se encontra hoje, no entanto, retira do trabalhador o pagamento de suas horas extras, constitucionalmente previstas. Nesses termos, não se discutir a validade da norma é abrir espaço para que funcionários sejam tratados como verdadeiros “escravos virtuais”, retirando-lhes o efetivo controle de suas vidas. Teremos no ordenamento jurídico brasileiro uma norma inconstitucional produzindo efeitos.

Dessa feita, sabe-se que olhar o instituto legal sob essa óptica é negar os direitos trabalhista desses indivíduos, pois, com os atuais meios tecnológicos disponíveis, é possível controlar o ponto do empregado mesmo à distância, devendo, portanto, valerem-se da regulamentação geral da jornada de trabalho, independentre do regime de teletrabalho.

O professor Homero Batista, também constatou este problema com as novas disposições trazidas pelo artigo 62, III da CLT:

“Havendo meios acessíveis de controle de jornada, por unidade de produção, fiscalização direto, por meios eletrônicos, não se deve impressionar com o fato de o trabalho ser realizado à distância, em dependências estranhas aos empregados, na residência do empregado, em cafeteria ou em espaço coletivo de trabalho, tudo isso continua irrelevante para o direito do trabalho, assim como o serviço externo somente se enquadra no art. 62 se for efetivamente incompatível com o controle de jornada.” (https://roseadvocaciaparastartup.jusbrasil.com.br/artigos/517413146/as-armadilhas-por-tras-da-reforma-trabalhista-e-o-controle-de-jornada-do-trabalho-a-distancia-lei-13467-17).

Da forma como se encontra a legislação atual, é possível que isso possa representar uma exploração máxima do empregado no exercício das suas atividades, gerando consequências irreparáveis a sua saúde, bem como ao seu direito ao lazer, privando-se de suas atividades particulares e sociais e levando ao seu adoecimento a médio e longo prazo. 

O instituto citado, conforme proposto pela Lei 13467/2017, foi alvo, inclusive, de crítica pelo Ministério Público do Trabalho, conforme nota técnica nº 08, do Procurador-Geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, o qual destacou nos seguintes termos quanto à flexibilização da jornada de trabalho:

” A limitação razoável da jornada de trabalho ainda constitui exigência decorrente do direito fundamental ao lazer, previsto no art. 6º da Constituição. Por sua vez, dispõe o art. 217, §3º, da Constituição, “o Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social”, o que remete à necessidade humana de tempo livre das atividades profissionais para o trabalho cultivar relacionamentos com outros grupos sociais, especiamente no espaço familiar, em que se assume a responsabilidade constitucional de prover convivência e lazer aos filhos, crianças e adolescentes, como garantia fundamental prevista no art. 227 da Constituição.  (http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/ce4b9848-f7e4-4737-8d81-6b3c6470e4ad/Nota+t%C3%A9cnica+n%C2%BA+8.2017.pdf?MOD=AJPERES&CVID=lPCHY69);

Assim, mesmo que o empregado exerca o trabalho por via remota, deveria ter o poder público se atentado aos demais direitos existentes na relação de emprego, em vista do princípio da dignidade da pessoa humana e demais princípios igualmente importante previstos na legislação constitucional e infraconstitucional.

Atribuindo essa mesma ênfase à face oculta do teletrabalho, Estrada (2012, p.10), ao discorrer sobre o “teletrabalho escravo”, asseverou que:
“É aquele que, em vez de ser realizado no mundo físico, é realizado na internet através de ferramentas tecnológicas que permitem o uso da telecomunicação e telemática, privando o teletrabalhador da sua liberdade por causa do controle virtual (mais ainda no teletrabalho em domicílio) e que se encontra privado de romper o vínculo em razão de coação moral ou psicológica advinda de dívidas artificiais contraídas com o empregador. Salienta-se que o teletrabalhador poderá ter escolha de lugar, na casa, no parque, na fazenda etc, porém, este ficará preso ao computador ou laptop, ou seja, não interessa o ambiente no qual o teletrabalhador estiver, este terá que se concentrar no trabalho, isolando-se de seu entorno e cumprir as metas exigidas pela empresa”. (ESTRADA, Manuel Martin Pino. Análise Juslaboral do Teletrabalho. Curitiba: Camões, 2008).

Pensando pelo plano teórico, há uma maior flexibilidade de a atividade profissional no pensar de como realizar o trabalho. No entanto, no plano prático, pode ser que o teletrabalho seja usado pelo empregador como uma poderosa arma de intesificação do lucro, por meio de um “controle” invisível, fazendo-se aumentar excessivamente a jornada de trabalho do empregado.

Nesse contexto, o regime de teletrabalho imposto pela “reforma trabalhista” é extremamente perigoso por se apresentar como uma falsa “modernização”. Em verdade, trata-se de uma mera modalidade de trabalho por via remota sem qualquer limitação da jornada de trabalho e que acaba por abrir “brechas” para o empregador ultrapassar seu poder diretivo e passar a cobrar dos seus empregados excessivas demandas, sem que isso tenha uma contrapartida salarial, qual seja o pagamento das horas extras.

Ainda que por um lado o teletrabalho possa ter pontos positivos, como o de se evitar grandes deslocamentos para trabalhadores em grandes cidades, em nada justifica a ausência de controle da jornada laboral desses empregados, com a possibilidade efetiva de fiscalização pelo seu empregador, com as tecnologias atualmente disponíveis,  pois o direito do trabalho deve ter como aplicação o princípio da proteção, sob a visão do direito como um importante mecanismo de controle social pelo Estado. 

Assim, apesar do teletrabalho ser uma modalidade que atende aos anseios atuais, ele acaba por reduzir os direitos do trabalhador, o que pode ocasionar excessivas demandas de trabalho, causando enormes prejuízos irreparáveis ao empregado, que foi e sempre será a parte mais fraca dessa relação jurídica. 

 

Andrey Rondon Soares

Advogado da LBS Advogados
E-mail: andrey.soares@lbs.adv.br

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