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Terceirização: O Trabalhador Precisa Ser Reinserido no Centro do Debate

“Na relação triangular de trabalho, os trabalhadores ficam sem voz. Estão tão incorporados à própria paisagem, que nos esquecemos de ter um olhar sensível para eles.”

Com esta frase proferida no dia 2 de fevereiro deste ano, durante o julgamento do Recurso Extraordinário nº 760.931, a Ministra Rosa Weber, relatora, deixou claro ao Plenário do Supremo Tribunal Federal uma questão fundamental: o trabalhador, em sua condição humana, precisa ser reinserido no centro do debate sobre a terceirização.

Por meio do julgamento do RE nº 760.931, o STF revisita o tema da terceirização e dos contornos a ela determinados pela Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, sob o ponto de vista da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviço. Para relembrar, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, em apreciação à letra fria do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, o Tribunal vedou a transferência automática à administração pública dos encargos trabalhistas resultantes do inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

Agora, frente a um caso concreto, com repercussão geral, o STF terá a oportunidade de mitigar certas dificuldades geradas aos trabalhadores terceirizados para a obtenção judicial de seus créditos, impostas pela ADC nº 16. Em seu voto, a relatora propôs, por exemplo, a preservação da responsabilidade subsidiária do ente da administração pública, nos casos de comprovada culpa em relação aos deveres legais de acompanhar e fiscalizar o contrato de prestação de serviços. Nesses casos, ainda conforme a Ministra Rosa Weber, o ônus da prova quanto ao cumprimento destes deveres legais deve recair, sempre, sobre a administração pública, sendo justo que “o ônus decorrente da falta de fiscalização da execução do contrato recaia sobre o maior beneficiado pela mão de obra ofertada”.

Em estimativas publicadas no jornal Valor Econômico¹, a Advocacia-Geral da União informa haver 50 mil processos sobre a matéria sobrestados pelo país afora, com impacto econômico estimado em R$ 870 milhões. Isso só para a União Federal!

São valores que, se por um lado representarão uma economia para os cofres públicos, por outro lado determinarão o empobrecimento dos seres humanos envolvidos na relação terceirizada, que se verão privados da obtenção de seus créditos trabalhistas, decorrentes, frequentemente, da sonegação de direitos basilares da relação de emprego. Trabalho humano o qual, pela privação de direitos, se transformará em verdadeira escravidão moderna².

Ao flexibilizar a forma primordial prescrita na Consolidação das Leis do Trabalho para a contratação do trabalho humano – qual seja, a relação de emprego –, com a finalidade de possibilitar a terceirização em atividade-meio, para além daquelas já legalmente previstas, o TST, por sua Súmula nº 331, o fez com uma garantia necessária: a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços.

Em artigo intitulado “A terceirização de atividade-fim: caminhos e descaminhos para a cidadania no trabalho³” , o Ministro do TST Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho e a Professora da Universidade Federal da Bahia Renata Queiroz Dutra afirmam que a consequência jurídica da responsabilidade subsidiária figura como garantia necessária para que o trabalho humano terceirizado não seja vendido como uma mera mercadoria; coisificação rejeitada pela Parte XIII do Trabalho de Versalhes, da Declaração de Filadélfia de 1944 e, recentemente, pela Declaração de Princípios Fundamentais da Organização Internacional do Trabalho de 1998?.

Assim, a referida responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, na relação terceirizada, não pode e não deve ser mitigada, como equivocadamente pretendem alguns membros do STF.

Ao se olhar para a relação terceirizada como método de trabalho, há mesmo de se ter a sensibilidade proposta por Rosa Weber. Antes de tudo, o trabalhador terceirizado há de ser reinserido no centro do debate, como ser humano que é, e merecedor, portanto, sem subterfúgios, das garantias constitucionais dedicadas, principalmente, à preservação da sua dignidade.

No dia 9 de fevereiro, o Plenário retomou o julgamento da questão. O Ministro Edson Fachin seguiu o voto da Relatora em todos os termos.

O Ministro Luís Roberto Barroso também seguiu o voto, mas levantou duas questões adicionais para enfrentar a enxurrada de reclamações sobre o assunto que chegam ao Supremo.

Para ele, é necessário que o Tribunal estabeleça o que é fiscalização adequada e como ela deve ser feita pela Administração, além de se definir como deve proceder o Poder Público se constatar que há irregularidade no contrato de prestação de serviço da empresa terceirizada. Dentre os parâmetros sugeridos, que a fiscalização seja feita por amostragem e que a Administração notifique a empresa, conceda prazo para sanar a irregularidade e, em caso de não regularização, ingresse com ação judicial para promover o depósito, a liquidação dos valores e o pagamento em juízo das quantias.

Ricardo Lewandowski e Celso de Mello também seguiram o voto da Ministra.

O Ministro Luiz Fux abriu a divergência e proveu o recurso, seguido pelos Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Apesar de haver cinco votos pelo desprovimento do recurso, o Plenário, presidido pelo vice-presidente Dias Toffoli, decidiu suspender o julgamento para aguardar o voto da Presidente Cármen Lúcia e estabelecer a tese que repercutirá em todos os processos sobre o tema.

Na sessão plenária do dia 15 de fevereiro, a Presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, proferiu seu voto dando provimento ao recurso da União e empatou a decisão. Para ela, a administração pública apenas pode ser responsabilizada nos casos em que exista comprovada falta de fiscalização, o que não há, conforme seu entendimento, no caso concreto.

Por se tratar de tema com repercussão geral, o julgamento ficará suspenso até a chegada do novo ministro ao Tribunal, que se encontra atualmente com apenas 10 componentes.

A Corte deverá se posicionar logo, mas sem se esquecer do respeito aos direitos dos trabalhadores. Não e outra sensibilidade que se exige do STF e se espera no julgamento do RE nº 760.931.

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¹Disponível em http://www.valor.com.br/legislacao/4857188/stf-avalia-responsabilidade-da-uniao-por-dividas-de-terceirizadas. Acesso em 08/02/2017.

²Segundo a acepção da Ministra Rosa Weber.

³Disponível em http://jota.info/artigos/terceirizacao-de-atividade-fim-caminhos-e-descaminhos-para-cidadania-no-trabalho-14112016. Acesso em 08/02/2017.

?“Uma das primeiras afirmações principiológicas proferidas pela Organização Internacional do Trabalho não foi outra que não a de que o trabalho humano não é uma mercadoria, conforme consta da Parte XIII do Tratado de Versalhes, da Declaração de Filadélfia de 1944 e, mais recentemente, da Declaração de Princípios Fundamentais da OIT de 1998.”
(Idem 3)

Ricardo Quintas Carneiro

Sócio da LBS Advogados
E-mail: ricardo.carneiro@lbs.adv.br

Antonio Fernando Megale Lopes

Sócio da LBS Advogados
E-mail: antonio.megale@lbs.adv.br

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