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Terceirização: que modernização queremos?

O PL nº 4.302, de 1998, que trata da terceirização, foi aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados no último dia 22 de março, com 231 votos a favor, 188 votos contrários e 8 abstenções. A diferença entre o “sim” e o “não”, portanto, foi de 43 votos. Ou seja, os deputados que faltaram à sessão, total de 86, poderiam ter mudado o resultado da votação.

De autoria do Governo Fernando Henrique Cardoso, o Projeto alterava a Lei nº 6.019/1974, modificando as relações de trabalho nas empresas de trabalho temporário e nas de prestação de serviços a terceiros, favorecendo a intermediação da mão de obra ao admitir a terceirização em qualquer atividade.

Aprovada pela Câmara em 2000, remetida ao Senado Federal e aprovada naquela Casa em 2002 na forma de Substitutivo, a proposição foi devolvida à Câmara e chegou a ir ao Plenário em 2003, mas a votação foi deixada de lado. À época, o então Presidente Lula encaminhou Mensagem (nº 389/2003) pedindo a sua retirada de pauta, com o intuito de arquivar a proposta.

O texto voltou a tramitar em 2016, pois a mensagem presidencial nunca chegou a ser colocada em votação. Assim, aproveitando-se desse “lapso” do Congresso, o Governo Temer, apoiado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), resgatou a proposta adormecida, que recebeu parecer favorável do Relator, Deputado Laércio Oliveira (Solidariedade-SE).
 
Para refletir

Muito se comenta que o resgate do Projeto de Lei nº 4.302 é ruim por ser fruto de uma discussão antiga e ultrapassada, com tramitação estacionada desde 2003. Sim! O mais grave, porém, é que a sua retomada e a sua aprovação ignoraram completamente a existência de outras grandes discussões na sociedade, no Poder Judiciário e, principalmente, no Poder Legislativo acerca do tema terceirização. No centro dos debates, o PL nº 4.330, apresentado em 2004, pelo então Deputado Sandro Mabel (PMDB-GO).

Em 2011, após a realização de uma audiência pública no Tribunal Superior do Trabalho, criou-se um fórum contra a terceirização, que congrega todas as centrais sindicais, confederações, federações e sindicatos, além de associações da sociedade das mais variadas vertentes. O Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, inclusive, possui manifesto no qual elenca suas propostas fundamentais, com mais de 5.000 mil assinaturas. (Confira aqui)

Sobre o PL nº 4.330, desde a sua apresentação, houve debate democrático. Em 2013, instalou-se uma mesa quadripartite, composta por representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, dos trabalhadores e dos empregadores, que não conseguiu chegar a um acordo após meses de discussão. A partir de 2015, também, foram realizadas audiências públicas convocadas pelo Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, Senador Paulo Paim (PT-RS), em todos os 27 Estados da Federação e inúmeras audiências públicas no Congresso Nacional.
Em paralelo, nos últimos 14 anos, qual foi o debate travado em torno do PL nº 4.302/98 aprovado? NENHUM!

Que modernização das relações de trabalho se pretende sem discussão real com a sociedade? Sem debates com os trabalhadores, ou, pelo menos, sem levar em conta os debates realizados? Que modernização pretende o Governo Temer e seus apoiadores, em qualquer área que seja, ao contornar o debate democrático para ignorar e, assim, excluir grande parte da população – a mais afetada, aliás – do processo decisório?

Para estender a modernização a todos
O PL nº 4.302 libera a terceirização para a atividade-fim da empresa, fixa a responsabilidade subsidiária em relação à empresa tomadora de serviços, possibilita a “quarteirização”, a “pejotização” e não estabelece garantia alguma ao trabalhador. O texto também contém regras sobre o trabalho temporário: o prazo para esse tipo de contrato triplicará, dos atuais três meses, para até nove meses, e poderá ser alterado por convenção coletiva.
A terceirização desvirtua totalmente o sistema de proteção ao trabalho, baseado na relação de emprego, que é bilateral: empregado ↔ empregador. O PL nº 4.302 insere terceiro ator na relação empregatícia e, consequentemente, transfere os riscos do negócio ao trabalhador, que fica desamparado frente às obrigações trabalhistas e previdenciárias.

Com a sanção do texto aprovado, as relações de trabalho tendem a ser precarizadas, com a substituição de empregos por trabalho terceirizado, os quais estatisticamente são remunerados com salários menores – afinal, além de reduzir os custos trabalhistas da contratante, a empresa terceirizada tem de obter lucros. Ora, sem diminuição de salário, a matemática não fecha! Soma-se a isso, a maior dificuldade de os terceirizados receberem verbas trabalhistas (empresas terceirizadas costumam falir e desaparecer sem pagar seus trabalhadores), o aumento dos acidentes de trabalho, a ausência de proteção social, a maior rotatividade nos empregos e a diminuição da atuação dos sindicatos.

A terceirização cria duas categorias de trabalhadores: os terceirizados, que recebem menos e são menos protegidos, e os empregados diretos, que ganham mais. Isso gera insegurança social e impede que o trabalhador construa planos de vida em médio e longo prazo e faça previsões sobre a sua carreira.

Haverá, ainda, fragmentação dos sindicatos, pois empregados que trabalham juntos serão representados por entidades diferentes, já que o enquadramento sindical leva em consideração a atividade econômica da empresa que os contrata diretamente. Aumentarão, dessa forma, as dificuldades para a ação coletiva dos trabalhadores. A fragmentação diminuirá também o poder de barganha dos sindicatos frente aos empresários, reduzindo os avanços de melhores condições em negociações coletivas, por exemplo.

E não é só o trabalhador que será prejudicado. Quais garantias terão os consumidores? Cobrarão ou responsabilizarão a empresa terceirizada ou a empresa tomadora do serviço? Imaginemos uma companhia aérea que terceiriza o serviço de seus comandantes. Afinal, em princípio, o projeto aprovado autoriza a contratação de pilotos terceirizados. Quem responderá em caso de um acidente aéreo, então?

E a arrecadação estatal? Com a redução de salários e a possibilidade de existência de empresas menores ou mesmo pouco solventes, o Estado arrecadará menos. O recolhimento do PIS, da Cofins e do FGTS diminuirá, portanto. O Estado, ainda, que já tem uma fiscalização do trabalho deficitária, terá maiores dificuldades para inspecionar a enorme quantidade de empresas que contratarão e subcontratarão serviços terceirizados. O PL nº 4.302 é totalmente silente em relação às garantias aos trabalhadores, à arrecadação estatal e aos requisitos que assegurem a existência sustentável das empresas terceirizadas. 

Para anotar e não esquecer
Não poderíamos finalizar este breve texto, sem destacar o apoio dos seguintes partidos à aprovação do Projeto e à liberação total da terceirização: PSDB, PMDB, DEM, PSD, PP, PTN, PHS, PR, PSB, PROS, PSL, PRB, PSC, PV e Solidariedade. Teremos eleições em 2018!

Acesse o site da Câmara e confira como o deputado de seu Estado votou: Relação de Presença – PL 4.302/98.

Para não desanimar
A aprovação do PL nº 4.302/98 é um golpe duro ao sistema de proteção do trabalho, mas não é tempo de desistir. Pelo contrário, é hora de reforçar os espaços de diálogo e de manifestação em prol de justiça social. É tempo de aumentar a pressão social e pedir o improvável veto, de questionar a constitucionalidade do texto, de interpretar sua aplicação nas relações de trabalho, enfim, de “pensar fora da caixinha” e agir!

 

Antonio Fernando Megale Lopes

Sócio da LBS Advogados
E-mail: antonio.megale@lbs.adv.br

Fernanda Caldas Giorgi

Sócia da LBS Advogados
E-mail: fernanda.giorgi@lbs.adv.br

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