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Brasil: mais um capítulo do Plano de Educação inclusiva que exclui

A denominada nova “Política Nacional de Educação Especial – PNEE” (Decreto nº 10.502/20) prevê o retorno nas escolas das classes especiais para educandos com deficiência, que, na realidade, são classes da exclusão, ao permitirem que as famílias possam escolher em qual instituição de ensino irão matricular seus filhos: escolas regulares, especiais ou bilíngues para surdos.

No fim de 2020, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli concedeu importante medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.590, movida pelo PSB, questionando a constitucionalidade do Decreto, que viola preceitos fundamentais da Constituição, como o direito à educação, à dignidade da pessoa humana e à não discriminação.

Em seu voto, o Ministro enfatizou o “compromisso internacional assumido pelo Brasil para a inserção das pessoas com deficiência no sistema educacional geral, de forma a promover o desenvolvimento de alunos com e se deficiência em um ambiente inclusivo e plural, superando a lógica da estigmatização e da segregação das pessoas com necessidades especiais”.

Destacou, ainda, que: “O paradigma da educação inclusiva, portanto, é o resultado de um processo de conquistas sociais que afastaram a ideia de vivência segregada das pessoas com deficiência ou necessidades especiais para inseri-las no contexto da comunidade. Assim, apesar de coexistir com a implementação de escolas e classes especializadas, não comporta a transformação da exceção em regra, pois significaria uma involução na proteção de direitos desses indivíduos.”

Em análise pelo Plenário do STF, a decisão liminar foi referendada, por maioria, mantendo a PNEE suspensa até o julgamento definitivo da ação.

O posicionamento do STF é vitória para a sociedade, sobretudo para os mais afetados com essa política ultrapassada e excludente.

Isso porque, ao contrário do que parece, a PNEE não busca dar “o devido tratamento às pessoas com deficiência”, mas retomar o cenário de exclusão já vivido nas antigas escolas especiais que atendiam alunos com toda e qualquer deficiência sem levar em consideração suas especificidades, tampouco necessidades de inclusão social. Esse tipo de “educação” fomenta a falta de identidade, de civilidade e de humanidade. Por uma diferença natural, pessoas com deficiência poderão ser jogadas em um cercado e educadas isoladamente.

Os impactos no desenvolvimento pessoal e social dos estudantes com base nessa abordagem ultrapassada representam verdadeiro retrocesso nos direitos e garantias educacionais conquistados até então.

Além do mais, a nova regulamentação contraria diversas declarações internacionais das quais o Brasil é signatário, leis e políticas, desestimulando a inclusão e a diversidade em escolas regulares.[1]

Entre os principais impactos da PNEE, destacamos: 1) o corte de orçamento do recursos anteriormente designados para a adaptação de salas e instituições especializadas e para capacitação de profissionais, precarizando o ensino inclusivo por falta dos necessários investimentos; 2) a ameaça ao direito à educação, já que flexibilização cria argumento de que alguns estudantes com deficiência não se beneficiam da escola comum, como se esse espaço de convivência não fosse importante, causando exclusão e, ainda, limitando o convívio dos demais com o diferente, perpetuando o capacitismo estrutural; 3) o incentivo da segregação sob o pretexto de dar escolha, quando na verdade desconsidera os benefícios da educação inclusiva, como ganhos acadêmicos e socioemocionais para todos os estudantes, quer sejam com deficiência ou não.[2]

Atentas a isso, diversas organizações da sociedade civil das áreas dos direitos humanos, de pessoas com deficiência, de crianças e adolescentes e da educação se mobilizaram criando a Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva para acompanhar as ações movidas por partidos políticos, inclusive com participação direta no julgamento ADI nº 6.590 ao fazerem o pedido de ingresso como amicus curiae.

Cabe também a nós, enquanto cidadãos e cidadãs, lutarmos pela igualdade de tratamento e educação, para que barreiras que começaram a ser rompidas não tornem a ser erguidas limitando ou excluindo a convivência diversa, que deve ser plural e igualitária para todos, pessoas humanas e dignas de existência.

#RevogaJá!

Brasília e Campinas, 30 de março de 2021.

REFERÊNCIAS

[1] Veja mais neste outro artigo que escrevemos: https://www.lbs.adv.br/artigo/as-diferencas-devem-habitar-os-mesmos-espacos-nao-a-politica-nacional-de-educacao-especial

[2] Disponível em: <https://alana.org.br/pesquisa-aponta-os-beneficios-da-educacao-inclusiva-para-todos/ >. Acesso em 19/03/21.

Disponível em: <https://www.lbs.adv.br/artigo/as-diferencas-devem-habitar-os-mesmos-espacos-nao-a-politica-nacional-de-educacao-especial >Acesso em 19/03/21.

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456419>Acesso em 19/03/21

Disponível em: <https://inclusaopratodomundo.org.br/> Acesso em 19/03/21

Disponível em: <https://alana.org.br/pesquisa-aponta-os-beneficios-da-educacao-inclusiva-para-todos/> Acesso em 19/03/21

Disponível em: <https://www.cenpec.org.br/noticias/educacao-especial-os-retrocessos-do-decreto-10-502-e-os-esforcos-para-revoga-lo acesso em 19.03.2021> Acesso em 19/03/21

 

Franciele Carvalho da Silva

Advogada da LBS Advogados
E-mail: franciele.silva@lbs.adv.br

Jéssica Carneiro Rodrigues

Advogada da LBS Advogados
E-mail: jessica.rodrigues@lbs.adv.br

Pedro Henrique Dos Santos

Advogado da LBS Advogados
E-mail: pedro.madeiro@lbs.adv.br

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