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Correção dos débitos trabalhistas: sem surpresa, Supremo Tribunal Federal beneficia o mau pagador!

Neste dia 18 de dezembro de 2020, ao retomar o julgamento das ADCs 58 e 59 e das ADIs 5867 e 6021, que tratam sobre as alterações impostas pela Reforma Trabalhista quanto aos índices de correção monetária do débito trabalhista e dos depósitos judiciais, a maioria do Supremo Tribunal Federal formou-se em torno da tese do relator das ações, o Ministro Gilmar Mendes.

Para Gilmar Mendes, as ações declaratórias de constitucionalidade foram julgadas parcialmente procedentes, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º, e ao art. 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467 de 2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil).

Ou seja, para a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal formada no dia de hoje, o critério correto de remuneração dos débitos trabalhista é aquele que corresponde à pretensa sistemática das condenações cíveis em geral: na fase pré-judicial, a incidência do IPCA-E, já a partir da citação, a adoção unicamente da Taxa SELIC, como índice único correspondente à correção monetária e aos juros.

Do outro lado, não escondendo a sua decepção, os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandovski, Marco Aurélio e a Ministra Rosa Weber irmanaram-se contra a injustiça que se está a praticar contra os trabalhadores e trabalhadores, os quais, vendo-se lesados nos seus básicos direitos trabalhistas, buscam na Justiça do Trabalho a justa reparação.

Por seus votos, os Ministros dissidentes evidenciaram que a sistemática proposta pelo Ministro Gilmar Mendes não atenderia ao princípio constitucional de propriedade (inciso XXII do art. 5º da Cf), por confundir os institutos da correção monetária e dos juros de mora, amalgamando-os em uma só taxa, a SELIC, a pretexto do art. 406 do Código Civil. Até mesmo a própria sistemática do art. 406 do Código Civil foi posta em dúvida pela divergência, por representar apenas um dos vários critérios previstos na própria Lei nº 10.406/2002.

Como bem se sabe, com previsão nos artigos 883 da CLT e 39, § 1º, da Lei nº 8.177/1991, os juros visam indenizar aquilo que o credor perdeu em virtude da mora do ex-empregador.  Já a correção monetária nada mais é do que um instrumento para se devolver ao crédito o seu valor nominal, corroído pelo fenômeno inflacionário.

Não bastasse, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandovski e Marco Aurélio ressaltaram que questão de fundo já está resolvida no âmbito do STF, desde ao menos1992, quando na ADI nº 493 fora declarado que a TR, por não representar a inflação, não pode servir como índice de correção monetária.  Entendimento que foi reiterado em 2015, com o julgamento das ADIs nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425. Também em 2019, no julgamento do RE nº 870.947 (TRG nº 810), a questão fora inclusive ratificada sob o referido ponto de vista do direito constitucional de propriedade, inscrito no inciso XXII do art. 5º da Cf, por orientação do Ministro Luiz Fux — o qual, todavia, se declarou impedido para atuar, agora, nestes feitos.  

Como regra de modulação, foi assentado o seguinte: (i) serão considerados válidos os pagamentos realizados utilizando a TR, o IPCA-E ou qualquer outro índice, no tempo e modo oportunos, de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciários, e os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês; (ii) assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram na sua fundamentação ou no dispositivo a TR, o IPCA-E e os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês; (iii) quanto aos processos em fase de conhecimento, inclusive aqueles em fase recursal, devem ter aplicação de forma retroativa da taxa SELIC, juros e correção monetária; (iv) concedida eficácia erga omnes e efeito vinculante à decisão, no sentido de atingir os feitos já transitados em julgado, desde que, sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros, omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais.

A decisão tomada, para além de não levar em contanatureza alimentar dos créditos trabalhistas e confundir as figuras jurídicas da correção monetária e dos juros de mora, acabou por beneficiar os grandes devedores nas estatísticas da Justiça do Trabalho, os quais, agora, verão os seus débitos minguarem substancialmente.

Hoje, o STF literalmente tirou alimento do prato do trabalhador para engordar rentistas devedores de direitos.Isto, todavia, não pode ser tido como normal, em uma república baseada sobre os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (incisos III e IV do art. 1º da Cf).

Este deve ser o norte da batalha judicial que se avizinha, pois não é razoável a prevalência de uma decisão que confunda os institutos da correção monetária e dos juros de mora, os quais não encontram efetivação pela mera aplicação da SELIC.  Mas não só.

A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho também deverão pautar a mobilização dos trabalhadores em torno do Congresso Nacional, para que, no preenchimento do vazio legislativo declarado pelo Supremo Tribunal Federal, seja dada ao § 7º do art. 879 da CLT uma redação conforme a esses princípios constitucionais, que dão sentido ao do Direito do Trabalho, como norma de contenção da ganância do Capital.

Brasília, 18 de dezembro de 2020.

Ricardo Quintas Carneiro

Sócio da LBS Advogados
E-mail: ricardo.carneiro@lbs.adv.br

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