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Ergonomia e o teletrabalho – Vale tudo?

Dia 28 de fevereiro comemoramos o Dia Mundial de Combate à LER/DORT, data escolhida pela Organização Internacional do Trabalho para conscientizar a população sobre os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), que incluem as lesões por esforços repetitivos (LER).

A data nos remete à luta nacional dos trabalhadores e das trabalhadoras em digitação travada no final dos anos 80 para que, diante da evolução das relações de trabalho, dos métodos e avanços tecnológicos, fossem estabelecidas normas que resguardassem a saúde e segurança do trabalhador perante o novo modelo de organização do trabalho. O fruto vitorioso dessa batalha foi a atualização da Norma Regulamentadora (NR) nº 17, sobre Ergonomia, publicada pela Portaria nº 3.751, de 23/11/1990.

O estudo da ergonomia leva em consideração a interação pessoa-máquina tendo em vista a segurança e saúde do trabalhador e da trabalhadora quanto à sua capacidade e limites fisiológicos e cognitivos para a execução da tarefa, objetivando a melhor adaptação dos sistemas técnicos ao ser humano.

A norma trouxe parâmetros mínimos a serem respeitados pelo empregador quanto ao mobiliário, equipamentos, condições ambientais dos postos de trabalho e organização do trabalho, devendo promover a adaptação considerando as características psicofisiológicas dos trabalhadores em relação à segurança, conforto e eficiência na atuação.

Ao estabelecer regras para a empresa, a NR nº 17 impõe limites ao poder discricionário do empregador ao organizar as atividades:  normas de produção, modo operatório, exigência de tempo, ritmo de trabalho, subtarefas e conteúdo, explicitando a complexidade e multiplicidade dos fatores que compõem o trabalho.

A pandemia da Covid-19 trouxe um cenário de isolamento social e maior uso das empresas do sistema de teletrabalho para execução das atividades pelos trabalhadores. Segundo o IPEA[1], em novembro de 2020, no Brasil 7,3 milhões de pessoas estavam trabalhando de forma remota, sendo 2,85 milhões trabalhadores do setor público e 4,48 milhões no setor privado.

A Reforma Trabalhista incluiu na Consolidação das Leis do Trabalho o art. 75-E, que prevê em seu parágrafo único que o empregado deverá assinar um termo de responsabilidades comprometendo-se a seguir as instruções quanto a evitar doenças e acidentes do trabalho, o que não retira a obrigação constitucional da empregadora de zelar pela saúde e segurança dos trabalhadores, estando estes em teletrabalho ou não.

E nesse sentido é o art. 6º da CLT, que impõe a não distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.[2]

Resta claro que o teletrabalho de forma alguma pode ser um “puxadinho” na residência do trabalhador e é responsabilidade do empregador observar e promover as adaptações necessárias em conformidade ao que normatiza a NR nº 17 sobre mobiliário, equipamentos, condições ambientais e organizacionais do trabalho, além da fiscalização do seu efetivo cumprimento.

Irresponsabilidades como o modelo de “cloffice” (acomodação da mesa de trabalho dentro do armário) e ignorar que os trabalhadores, em sua maioria, moram em espaços pequenos em condições precárias podem levar à responsabilidade civil dos empregadores por eventual doença ou acidente laborativo.

Em teletrabalho ou não, deve prevalecer como válida a promoção irrestrita da segurança e saúde do trabalhador e da trabalhadora.

Campinas, 23 de fevereiro de 2021.

REFERÊNCIAS

[1] Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=37463&catid=3&Itemid=3> Acesso em 20/02/21.

[2] Podemos citar, ainda, os Enunciados nºs 72 e 83 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho –ANAMATRA:

“72. TELETRABALHO: RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR POR DANOS.

A mera subscrição, pelo trabalhador, de termo de responsabilidade em que se compromete a seguir as instruções fornecidas pelo empregador, previsto no art. 75-e, parágrafo único, da CLT, não exime o empregador de eventual responsabilidade por danos decorrentes dos riscos ambientais do teletrabalho. Aplicação do art. 7º, XXII da Constituição c/c art. 927, parágrafo único, do Código Civil.”

“83. TELETRABALHO: CONTROLE DOS RISCOS LABOR-AMBIENTAIS.

O regime de teletrabalho não exime o empregador de adequar o ambiente de trabalho às regras da NR-7 (PCMSO), da NR-9 (PPRA) e do artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91 (LTCAT), nem de fiscalizar o ambiente de trabalho, inclusive com a realização de treinamentos. Exigência dos artigos 16 a 19 da convenção 155 da OIT.”

 

Luciana Lucena B. Barretto

Sócia da LBS Advogados
E-mail: luciana.barretto@lbs.adv.br

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