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O gênero venceu! STJ aplica Lei Maria da Penha em caso envolvendo mulher trans

Você sabe para que serve a Lei Maria da Penha? Para proteger o gênero feminino e não o sexo biológico feminino, distinção que se fez mais que necessária para proteção das mulheres trans no Brasil.


O entendimento é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estabeleceu que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.

 

No dia 5 de abril de 2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.

 

Na decisão colegiada, o STJ destacou que “mulher trans é mulher também” e deram provimento ao recurso do Ministério Público de São Paulo para aplicação das medidas protetivas requeridas por uma transexual que foi agredida pelo pai, usuário de álcool e drogas.

 

E o motivo para a lei ser aplicada às mulheres trans foi justamente com relação ao gênero. O STJ diferenciou muito bem no julgamento os conceitos de sexo feminino (biológico) e gênero. O Tribunal destacou que:

 

“A balizada doutrina sobre o tema leva à conclusão de que as relações de gênero podem ser estudadas com base nas identidades feminina e masculina. Gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres. Uma análise de gênero pode se limitar a descrever essas dinâmicas. O feminismo vai além, ao mostrar que essas relações são de poder e que produzem injustiça no contexto do patriarcado. Por outro lado, sexo refere-se às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, bem como ao seu funcionamento, de modo que, no meu entender, o conceito de sexo, como visto, não define a identidade de gênero. Em uma perspectiva não meramente biológica, portanto, mulher trans mulher é.”[1]

 

Nesse sentido, quando analisou a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), o STJ foi enfático em afirmar que a própria norma determina a aplicação para qualquer configuração de violência doméstica e familiar contra a mulher “baseada no gênero”, portanto, devendo serem inseridas as mulheres trans. Como bem pontuado pelo Tribunal:

 

“O verdadeiro objetivo da Lei Maria da Penha seria punir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher em virtude do gênero e não por razão do sexo”. Por isso, ressalta que não abranger a Lei Maria da Penha a lésbicas, travestis, transexuais seria afrontar os princípios constitucionais da igualdade, da Liberdade sexual e da dignidade da pessoa humana.”[2]

 

Assim, o que é possível inferir da decisão do STJ é de que a Lei Maria da Penha está a proteger o gênero feminino e não o sexo biológico feminino, distinção que se fez mais que necessária para proteção das mulheres trans no Brasil.

 

A decisão não poderia vir em melhor hora. A comunidade trans no Brasil permanece extremamente vulnerável, ocupando o Brasil o topo do ranking dos países que mais assassinou pessoas trans[3].

 

De acordo com a bacharel em direito e co-fundadora do coletivo amazônico Lesbitrans, Dandara Rudsan, este é o primeiro passo rumo a uma lei permanente: “Todo o Judiciário agora das instâncias inferiores, das instâncias superiores vão passar a dialogar, a ponderar suas decisões, a ponderar seu encaminhamento, porque antes era um caminho direto de negação. Agora não estamos mais nesse caminho direto de negação, que tem que parar, que não é obrigatória, mas ela obriga a parar e a refletir. Ela obriga o Judiciário a parar e a refletir em si mesmo.”[4]

 

E a Presidente da Antra – Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Keila Simpson, diz que “a decisão vem para coroar as nossas lutas, algo que reivindicamos há muito tempo, que é o fim da violência. É mais um instrumento para usarmos quando houver violação de nossos direitos”. Segundo ela, a partir de agora será possível contabilizar esse tipo de crime, que antes nem sempre era judicializado.”[5]

 

Assim, é de se comemorar a decisão histórica em nosso país. As mulheres trans também são mulheres e, se assim são, merecem o mesmo respeito e tratamento, tendo que ser protegidas pelo Estado quando colocadas em situação de vulnerabilidade.

 

O respeito ao gênero venceu e se sobrepôs ao conceito de sexo biológico, obtendo-se a correta intepretação da Lei Maria da Penha, alinhada com os princípios protetivos de nossa Constituição federal. Mais uma vitória da comunidade LGBTI+. Viva!

 

 

Brasília, 14 de abril de 2022.

 

REFERÊNCIAS 

 

[1] (RESP 1.977.124/SP)

 

[2] (RESP 1.977.124/SP)

 

[3] (BENEVIDES, Bruna G. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021 (Org). – Brasília: Distrito Drag, ANTRA, 2022. p. 70. Disponível em:https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022- web.pdf. Acesso em 12.04.2022).

 

[4] (https://www.brasildefato.com.br/2022/04/11/queremos-respeito-enquanto-mulher-diz-porta-voz-de-associacao-trans-sobre-decisao-do-stj#:~:text=O%20Superior%20Tribunal%20de%20Justi%C3%A7a%20est%C3%A1%20dizendo%20que%20independente%20da,hist%C3%B3rica%20para%20as%20mulheres%20trans.., acesso em 12.04.2022)

 

[5] . “Veja mais em https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/04/06/fundamental-e-atrasada-stj-inclui-mulheres-trans-na-lei-maria-da-penha.htm?cmpid=copiaecola.Acesso em 12.04.2022”

 

Andrey Rondon Soares

Advogado da LBS Advogados
E-mail:andrey.soares@lbs.adv.br

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