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Soberania nacional à venda – STF autoriza fatiamento do patrimônio da Petrobras

1º de outubro. Em 1908, Henry Ford lança o Ford T, o primeiro carro popular da história, ao mesmo tempo em que os derivados de petróleo se consolidam como “commodities” estratégicas para o desenvolvimento industrial mundial. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal dá aval ao governo para que prossiga com sua política de desmonte da Petrobras, autorizando a alienação de todos os ativos de refino de petróleo ao mercado, sem qualquer controle do Congresso Nacional e mesmo sem sinais geopolíticos de enfraquecimento dos derivados de petróleo como estratégicos para as soberanias nacionais que controlam a sua produção ou que deles dependem como matriz energética.

De iniciativa das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a Reclamação nº 42.576 denunciou ao STF flagrante fraude ao que decidido anteriormente na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.624, em cujo acórdão foi declarado que “a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista exige autorização legislativa e licitação pública”.  Vale lembrar que o inciso XIX do art. 37 da Constituição explicita que somente por lei específica poderá ser autorizada a instituição de empresa pública e de sociedade de economia mista. Já o inciso XX do mesmo artigo determina ser indispensável a autorização legislativa para criação das respectivas subsidiárias, bem como a participação de qualquer delas em empresa privada.

Segundo a Reclamação, a burla ao que decidido na ADI nº 5.624 consiste na intenção da atual administração Petrobras de “fatiar” os ativos pertencentes ao patrimônio da controladora em várias subsidiárias, com o único propósito de posterior venda direta ao mercado, sem submissão ao procedimento licitatório e autorização legislativa impostas pela Constituição.  Ao serem admitidas nos autos da Reclamação como amigas da corte, esses argumentos também foram defendidos pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal – FENAE e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro – CONTRAF/CUT, com a autoridade de serem as autoras da ADI nº 5.624.

Em julgamento fortemente marcado por posicionamentos antagônicos quanto ao zelo pelos bens pertencentes à União, principalmente quanto aos altamente estratégicos para a própria segurança energética nacional, a maioria do Supremo Tribunal Federal formou-se em torno da entrega do patrimônio histórico da Petrobras e do provo brasileiro ao livre arbítrio da sua gestão de ocasião. As ações da Petrobras no mercado financeiro valorizar-se-ão, profetizaram. Nesse sentido, votaram os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes e o atual presidente, Luiz Fux.

Não sem a contundente divergência dos Ministros Edson Fachin, relator, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e da Ministra Rosa Weber, que sustentaram tese no sentido de que “zelar pelos dos bens pertencentes à União e a disponibilidade destes é atribuição do Congresso Nacional, sendo obrigatória sua participação para sustar atos que exorbitem o poder regulamentar do Poder Executivo, nos termos dos arts. 48 e 49 da Constituição”.

Esse julgamento sinaliza à nação brasileira a necessidade de forte mobilização em torno da defesa das suas estatais. Vale lembrar que estratégia semelhante à que foi referendada hoje pelo STF está em curso contra a Caixa Econômica Federal. O governo Bolsonaro editou em agosto passado a Medida Provisória nº 995/2020, que pretende implementar processos de desinvestimento e monetização de ativos da Caixa Econômica Federal e suas subsidiárias.  Com apenas três artigos, a MP autoriza as subsidiárias da Caixa a constituírem outras subsidiárias e adquirir controle societário ou participações societárias minoritárias em sociedades empresariais privadas.

Ombreados em torno das ADIs nºs 6.537 e 6.550, a CONTRAF-CUT e os partidos de oposição  PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e Rede Sustentabilidade suscitaram  a inconstitucionalidade da MP nº 995/2020 junto ao Supremo Tribunal Federal.  A Central Única dos Trabalhadores (CUT) juntou-se a eles com recente pedido de habilitação como “amicus curiae”.

Assim como a Petrobras, no seu papel de motor do desenvolvimento nacional, deve atender à soberania nacional, não se pode permitir, na mesma medida, que o financiamento das políticas públicas patrocinadas pela Caixa Econômica Federal seja prejudicado e figure como objeto de cobiça do capital financista.

No atual estado das coisas, só mesmo a mobilização social tornará efetivos aqueles princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, inscritos em destaque no art. 1º da sua Constituição federal: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, até mesmo, o pluralismo político. 

Dia 1º de outubro de 2020, um dia triste para a soberania nacional.

Brasília, 1 de outubro de 2020.

Ricardo Quintas Carneiro

Sócio da LBS Advogados
E-mail: ricardo.carneiro@lbs.adv.br

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